Toque do Espírito

Todos desejam a paz, mas nem todos buscam as coisas que produzem a verdadeira paz.

Tomás de Kempis

Litúrgico e não litúrgico


É bastante comum ouvirmos pessoas falando sobre o que é litúrgico e o que não é. Geralmente a dúvida fica em torno de elementos celebrativos:

- Esse canto não é litúrgico...
- Esse gesto pode ser feito. Ele é litúrgico...
- Não, essa apresentação não é litúrgica...

Apesar das dúvidas serem freqüentes esses elementos podem ser classificados como litúrgicos ou não a partir das normas e estruturas celebrativas definidas pela Igreja. Normalmente são conceitos aprendidos pela prática que são aperfeiçoados com um estudo investigativo. Futuramente podemos retomar o assunto, mas aqui iremos nos deter na classificação “litúrgico”, “não litúrgico” para diferenciarmos os atos realizados em âmbito religioso.

Ações litúrgicas e exercícios piedosos

“Atos litúrgicos são os atos sagrados que, por instituição de Jesus Cristo ou da Igreja e em nome de ambos, segundo os livros litúrgicos aprovados pela Santa Sé, são realizados por pessoas legitimamente deputadas para tal, a fim de prestar-se o devido culto a Deus, aos santos e bem-aventurados. Os demais atos sagrados, quer se realizem na igreja ou fora da igreja, mesmo com a presença do sacerdote ou presididos por ele, são denominados exercícios de piedade”.


“Litúrgico” é o que pertence a todo o corpo eclesial e o manifesta (cf. SC 26). Por isso são ações litúrgicas tão-somente as celebrações que expressam o mistério de Cristo e a natureza sacramental da Igreja, esposa do Verbo encarnado (cf. SC 2; 7; 41; SC 26). O restante são atos de piedade, comunitários ou individuais.

Ações litúrgicas e exercícios piedosos se referem aos mesmos acontecimentos salvíficos. Mas nem todas as formas de piedade são evocação e atuação desses acontecimentos no plano dos sinais. Os exercícios piedosos evocam o mistério de Cristo unicamente de maneira contemplativa e afetiva, isto é, subjetiva e psicológica, enquanto as ações litúrgicas o fazem atualizando, antes de tudo, a presença do acontecimento por meio do rito. A eficácia dos atos litúrgicos depende da vontade institucional de Cristo e da Igreja, e de que se cumpram efetivamente as conduções necessárias para sua validade. A eficácia dos exercícios piedosos depende tão-somente das atitudes pessoais daqueles  que tomam parte neles.

Podemos ver, por exemplo, a relação entre o Rosário e a Liturgia, dada pelo papa Paulo VI na exortação apostólica Marialis cultus, n.48.

“Cada expressão de oração, na verdade, conseguirá ser tanto mais fecunda, quanto mais conservar a sua verdadeira natureza e a fisionomia que lhe é própria. Reafirmando, portanto, o valor proeminente dos atos litúrgicos, não será difícil reconhecer que o Rosário é um exercício de piedade que se harmoniza facilmente com a sagrada Liturgia. Como a Liturgia, efetivamente, também o mesmo Rosário tem uma índole comunitária, se nutre da Sagrada Escritura e gravita em torno do mistério de Cristo. Depois, muito embora em planos essencialmente diversos, anamnese na Liturgia e memória contemplativa no Rosário têm por objeto os mesmos eventos "salvíficos" realizados por Cristo. A primeira torna presentes, sob o véu dos sinais, e operantes, de modo misterioso, os máximos mistérios da nossa Redenção; a segunda, por sua vez com o piedoso afeto da contemplação, reevoca na mente daquele que ora esses mesmos mistérios e estimula nele a vontade para haurir aí normas de vida.”


Devoção e devoções

A noção de exercícios piedosos coincide com o que se entende também por devoções. “Devoções é uma denominação coletiva de todos os exercícios de oração e práticas religiosas que, embora não tenham sido incorporadas à liturgia, alcançaram certa expressão social e organizativa”. Tanto os atos litúrgicos como as devoções devem estar informados por uma devoção autêntica.

Com efeito, a devoção (em latim devotio, palavra próxima de pietas) é, segundo a definição de santo Tomás adotada expressamente pela encíclica Mediator Dei, de Pio XII, “um ato da vontade daquele que oferece a si mesmo a Deus para servi-lo” (MD 46). Nesse sentido, a devoção, como atitude interna básica, torna mais frutuosa a participação na liturgia.

Que os exercícios de piedade nos ajudem a participar de maneira mais ativa e frutuosa da Liturgia e, assim, caminharmos de maneira eficaz para a compreensão do mistério de Cristo e a santidade.

Fonte de pesquisa: MARTÍN, Julián López. A Liturgia da Igreja. Paulinas. pp. 96-98.

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