O que é Liturgia? (Análise histórica)
Muitas vezes entende-se liturgia de uma forma extremamente errada e pequena. Eis alguns casos de erros e deformidades:
- Liturgia é “ler na missa”.
- Quem proclama uma leitura diz que “participou da liturgia”.
- Pastoral de liturgia é para fazer “distribuição de leituras”.
- Só “tem a ver” com liturgia quem “participa das reuniões de liturgia”.
Esses são alguns erros comuns de serem ouvidos, ditos até mesmo por agentes de pastoral litúrgica. Agora vamos compreender, de fato, o que é Liturgia. Vamos tentar compreender sua essência e valor.
Quando buscamos o significado de liturgia no dicionário encontramos definições como:
“Ordem das cerimônias e preces de que se compõe o culto público e oficial instituído por uma igreja.”
Mas vamos fazer uma análise histórica do termo.
Uso no mundo grego: O termo liturgia vem do grego clássico leitourgía (leit, "povo", "popular"; e érgon, "obra"), para indicar a origem ou o destino popular de uma ação ou de uma iniciativa, independentemente do modo como esta era assumida. Liturgia começou a designar um serviço público. Quando esse serviço afetava o âmbito religioso, liturgia se referia ao culto oficial dos deuses.
Uso na Bíblia: O verbo leitourgéo e o substantivo leitourgía são encontrados 100 e 400 vezes, respectivamente, na versão dos Setenta, para designar o serviço dos sacerdotes e levitas no templo. No grego bíblico do Novo Testamento, leitourgía nunca aparece como sinônimo de culto cristão, salvo na passagem de At 13,2. A palavra liturgia é utilizada no Novo Testamento com sentido também de serviço público oneroso, culto sacerdotal e levítico e culto espiritual.
Evolução posterior: Nas igrejas orientais de língua grega, leitourgía designa a celebração eucarística. Na Igreja latina, a palavra liturgia foi ignorada. Em lugar de liturgia foram usadas expressões como munus, officium, ministerium, opus etc. Santo Agostinho a empregou para se referir ao ministério cultual. A partir do século XVI, liturgia aparece nos títulos de alguns livros dedicados à história e à explicação dos ritos da Igreja. O termo liturgia tornou-se sinônimo de ritual e de cerimônia. Na linguagem eclesiástica, a linguagem começou a aparecer em meados do século XIX.
DEFINIÇÃO DE LITURGIA ANTES DO CONCÍLIO VATICANO II
Definições estéticas: a liturgia era a "forma exterior e sensível do culto", isto é, o conjunto de cerimônias e ritos. O objeto formal da liturgia era buscado nos aspectos externos e estéticos do sentimento religioso.
Definições jurídicas: a liturgia era apresentada como o "culto público da Igreja enquanto regulado por sua autoridade". A liturgia era identificada com o direito litúrgico e com as rubricas que regulam o exercício do culto.
Definições teológicas: apontavam a liturgia como o "culto da Igreja", mas limitavam o caráter eclesial do culto à ação dos ministros ordenados
Definição da encíclica "Mediator Dei": "a sagrada liturgia é o culto público que nosso Redentor tributa ao Pai como cabeça da Igreja, e o que a sociedade dos fiéis tributa ao seu fundador, e, por meio dele, ao Pai eterno: é, brevemente, o culto completo do Corpo místico de Jesus Cristo, isto é, da cabeça e de seus membros" (MD 29; cf. 32)
O CONCEITO DE LITURGIA DO VATICANO II
"Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral.
Portanto, qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, ação sagrada par excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja." (Sacrosanctum Concilium 7)A liturgia, em que “a obra de nossa redenção se realiza”.1 [...] é, ao mesmo tempo, humana e divina, visível, mas dotada de bens invisíveis, presente ao mundo, mas peregrina, de tal forma que o que nela é humano está subordinado ao que é divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação e o presente à futura comunhão que todos buscamos2. Dia após dia, a liturgia vai nos transformando interiormente em templos em templos santos do Senhor e morada espiritual de Deus,3 até a plenitude de Cristo,4 de tal forma que nos dá a força necessária para pregar Cristo e mostrar ao mundo o que é a Igreja,5 como a reunião de todos os filhos de Deus ainda dispersos,6 até que se tornem um só rebanho, sob um único pastor.7 (Sacrosanctum Concilium, n.2)
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1 Missal Romano, oração sobre as oferendas do IX domingo depois de Pentecostes.
2 Cf. Hb 13,14.
3 Cf. Ef 2,21-22.
4 Cf. Ef 4,13.
5 Cf. Is 11,12.
6 Cf. Jo 11,52.
7 Cf. Jo 10,16.
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Em síntese, a liturgia pode ser definida como a função santificadora e cultual da Igreja, esposa e corpo sacerdotal do Verbo encarnado, para continuar no tempo a obra de Cristo por meio dos sinais que o tornam presente até a sua vinda.
Como podemos ver a Liturgia é muito mais do que ler na missa ou ir a uma reunião. Pode-se dizer até que a Liturgia é um assunto inesgotável, dado seu caráter divino. Não envolve apenas algumas pessoas que “fazem parte do grupo”, mas atinge toda a Igreja. A beleza manifestada pela liturgia eleva nosso espírito e nos faz refletir sobre os mistérios divinos. Ela nos aperfeiçoa, enquanto filhos de Deus, conduzindo para a santidade.
Fonte: MARTÍN, Julián López. A Liturgia da Igreja. Paulinas. pp. 90-96
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