O anjo é delegado à guarda do homem desde o seu nascimento?
Henri Decaisne (1799-1852), O Anjo da Guarda (cerca de 1836)
Quem nos ajuda a responder
a esta pergunta é Santo Tomás de Aquino. Através de uma reflexão que contempla
alguns pontos de vista, o santo nos conduz ao entendimento da questão.
Parece que o anjo não
é delegado à guarda do homem desde o seu nascimento:
1. Com efeito, os anjos
são enviados “a serviço em proveito daqueles que recebem a salvação como
herança”, diz o Apóstolo na Carta aos Hebreus (1, 14). Ora, os homens começam a
receber essa herança quando são batizados. Logo, o anjo é delegado a guardar o
homem desde o momento do batismo, e não desde o nascimento.
2. Além disso, os anjos
guardam os homens iluminando-os pelo ensinamento da doutrina. Ora, aos
recém-nascidos não são capazes de doutrina, pois não têm o uso da razão. Logo,
aos recém-nascidos não são delegados anjos da guarda.
3. Ademais, a criança no
seio materno possui em certo momento a alma racional, como a tem após o
nascimento. Ora, ainda no seio materno não lhe são delegados anjos da guarda,
pois nem sequer os ministros da Igreja lhes conferem os sacramentos. Portanto,
não é logo após o nascimento que os anjos são delegados à guarda dos homens.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz
Jerônimo: “Cada alma, desde o nascimento, tem um anjo delegado à sua guarda”.
Ao
comentar o Evangelho de Mateus, Orígenes diz que, a esse respeito, há duas
opiniões. Alguns disseram que o anjo é delegado à guarda do homem desde o
batismo; outros já desde o nascimento. É esta a opinião que Jerônimo aprova e
com razão. Os benefícios que o homem recebe de Deus pelo fato de ser cristão
começam com o batismo; por exemplo, a recepção da Eucaristia e outros
semelhantes.
Todavia, os benefícios que
Deus dispõe para o homem pelo fato de ele ter uma natureza racional lhe são
concedidos desde o momento em que, pelo nascimento, adquire tal natureza. Ora,
esse benefício é a guarda dos anjos como está claro pelo que foi dito
anteriormente [art. 1: “Os homens são guardados por anjos?”]. Portanto, tão
logo nasce, o homem tem um anjo delegado para sua guarda.
Quanto às objeções
iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Os anjos são enviados a
serviço eficazmente só para aqueles que recebem a salvação como herança se
considerarmos o último efeito de sua guarda, que é o recebimento da herança.
Todavia, aos demais homens não é negado o serviço dos anjos, embora não seja eficaz
em conduzi-los à salvação. Entretanto, é eficaz na medida em que os
preserva de muitos males.
2. A guarda dos anjos tem
como efeito último e principal a iluminação doutrinal. Todavia, tem muitos
outros efeitos que interessam às crianças, como afastar demônios e evitar
outros danos tanto espirituais como corporais.
3. A criança, enquanto se
encontra no seio materno, não está totalmente separada da mãe, pois, em virtude
de uma ligação especial, é ainda de alguma maneira parte dela, como o fruto que
pende da árvore faz parte da árvore. Por isso se pode dizer como provável que o
anjo da guarda da mãe guarda a prole que está em seu seio. Mas, ao nascer, ao
separar-se da mãe, lhe é delegado o anjo da guarda, como diz Jerônimo.
Suma Teológica I, q.113, a.5
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