O mistério dos anjos: quem são eles?
Pe. Françoá Costa
Ao colocar a
palavra “anjos” num buscador de internet, é incrível a quantidade de informação
que aparece, muitas contaminadas por doutrinas esotéricas. No entanto, é ainda
mais curioso quando se busca imagens de anjos: seres fofinhos, bebezinhos; por
vezes, afeminados, com bochechinhas vermelhas, asinhas simpáticas etc. Muitos
artigos sobre os anjos estão, sem dúvida, contaminadas por doutrinas
esotéricas. Inclusive, é possível encontrar um anjo específico para cada dia da
semana, entre outras coisas absurdas. No entanto, é preciso dizer que também se
encontra muita coisa boa.
Os anjos não
são reencarnações, não são homens ou mulheres com asas, não são lugares nos
quais se sente a presença de Deus, não são gnomos nem duendes, não são uma
espécie de energia, nem tampouco uma fumaça branca. Um dos artigos bons que
encontrei em internet foi o de P. B. Celestino que, em relação a isso, dizia: “a
humanidade no seu conjunto parece obedecer a uma espécie de “lei do bêbado”:
depois de uma queda para a direita, procura compensá-la inclinando-se para a
esquerda, e acaba caindo nessa direção. Assim, às épocas de racionalismo
exacerbado e míope, seguem-se outras em que proliferam as mais tresloucadas
fantasias e crendices, e a doutrina sobre os anjos é das que mais facilmente se
prestam a essas deformações. O nosso tempo inclui-se entre as segundas, a
julgar pelo número de “caricaturas” deformadas desses seres não humanos ― sob a
forma de duendes, gnomos, espíritos “desencarnados”, deidades e extraterrestres
― que se misturam inextricavelmente nas estantes das livrarias e lojas de
bibelôs, bem como nas cabeças de alguns…”
O calendário litúrgico da Igreja
Católica celebra duas festas angélicas, no dia 29 de setembro, a festa dos três
arcanjos – S. Miguel, S. Gabriel e S. Rafael – e, no dia 2 de outubro, os anjos
da guarda. Quem são eles?
Talvez o
Concílio da Igreja que mais se dedicou a explicar a doutrina sobre os anjos foi
o Concilio de Latrão IV, no ano 1215. Nele se afirmou, num contexto de
profissão da fé, que os anjos foram criados por Deus desde o inicio do tempo,
também os demônios. No caso dos demônios, o Concilio nos diz que foram anjos
criados bons, mas que depois se fizeram maus. Logicamente, houve pronunciamentos
magisteriais sobre os anjos antes dessa data, por exemplo, o Papa Zacarias, no
ano 745, rejeitou os vários nomes dos anjos, ficando somente com os de Miguel,
Gabriel e Rafael porque a Sagrada Escritura só fala desses três. O Concilio de
Aix-la-Chapelle, no ano 789, fez a mesma coisa.
O que nos
diz a Bíblia sobre os anjos? Bastante. Os dicionários bíblicos dedicam a esse
tema varias páginas. Em resumo: anjo vem da palavra grega angelos, que
serviu para traduzir a palavra hebraica mal’ak, que – de maneira geral –
significa “mensageiro”. Eles são filhos de Deus (Jó 1,6; 2,1), são protetores
dos homens (Sl 90,11), moram nos céus (Mt 28,2), são de natureza espiritual (1
Re 22,19-21; Dn 3,86; Hb 1,14). Há anjos bons e anjos maus (Zc 3,1). Existem serafins
(Is 6), querubins (Gn 3,24; Ex 25,22; Ez 10,1-20), tronos, dominações,
potestades e principados (Cl 1,16), virtudes (Ef 1,21), arcanjos (1 Ts 4,15-16;
Judas 9), anjos que cuidam dos indivíduos (Tb 5; Sl 90,11; Dn 3,49s; Mt 18,10).
Nos Evangelhos também se lê que eles contemplam o rosto de Deus (Mt 22,30;
18,10) e se alegram pela conversão daqueles que estavam afastados de Deus (Lc
15,10), dizem ainda que eles levaram o corpo de Lázaro ao seio de Abraão (Lc
16,22).
Como se pode
ver, as afirmações do Magistério da
Igreja estão solidamente apoiadas pela Tradição Escriturística.
Com relação
aos três arcanjos, acontece a mesma coisa. Gabriel que significa “Deus é força”
aparece em Dn 8,16; 9,21; Lc 1,19.26; Miguel que significa “Quem como Deus?”
aparece em Dn 10,13.22; 12,1; Jud 9; Ap 12,7; São Miguel é o padroeiro de toda
a Igreja; Rafael – “Deus cura” – aparece em Tb 3,25. A distinção mais divulgada
de uma hierarquia entre os anjos aparece no livro De coelesti hierarquia –
Sobre a hierarquia celeste – atribuído a Dionísio, o Areopagita, entre os
séculos IV e V. Nessa obra, os anjos são distribuídos em três ordens, cada
ordem formado por três coros, num total de nove coros angélicos: serafins,
querubins e tronos fazem parte da primeira hierarquia; dominações, virtudes e
potestades, formam a segunda hierarquia dos anjos; os principados, os arcanjos
e os anjos estariam na terceira. Todos esses anjos têm – como resume o teólogo
francês J. Daniélou – duas funções: louvar a Trindade Santíssima e guardar e
defender tudo o que é de Deus.
O Catecismo
da Igreja Católica diz que os anjos são criaturas pessoais, ou seja, dotadas de
inteligência e vontade; são, ademais, imortais por serem puramente espirituais
e superam em perfeição as criaturas visíveis (Cat. 330).
A perfeição
dos anjos não permite, no entanto, que eles penetrem nas nossas consciências;
temos que manifestar-lhes as nossas necessidades, mas basta falar com eles
mentalmente e eles nos entenderão. O fato dos anjos serem pessoas (angélicas)
nos faz ver que são capazes de relações de amizade e de fraternidade com as
pessoas humanas. Os santos anjos são nossos amigos. Como seria bom se
cultivássemos essa amizade frequentemente, conversando com eles, pedindo a sua
proteção e agradecendo os seus favores. Nessas angélicas relações amistosas, o
nosso anjo da guarda ocupa o primeiro posto, é o anjo que mais deveria ser
tratado por nós.
A devoção aos anjos não contradiz a
centralidade de Cristo, único Senhor.
Todos os
anjos estão ao serviço de Jesus Cristo e é uma honra para eles servir a Cristo
e a todos os seres humanos por amor ao Deus Uno e Trino. O Catecismo da Igreja
destaca esse serviço humilde e eficaz a Cristo e a toda a Igreja (Cat.
333-335). Os santos foram muito devotos dos anjos. São Josemaría Escrivá, por
exemplo, deixava que o seu anjo da guarda contasse o número de orações e
mortificações que ele ia fazendo, tinha-o presente nos trabalhos apostólicos
que realizava, chamava-o “Relojoeirinho” (porque era muito pontual em
despertar-lhe e até consertou-lhe um relógio numa ocasião), dedicava as
terças-feiras a tratá-lo mais intensamente, rezava ao anjo da guarda de alguém
com quem tinha que conversar ou escrever-lhe uma carta; viu o Opus Dei no dia 2
de outubro de 1928, festa dos anjos da guarda; confiou os diversos trabalhos
dessa nova fundação a cada um dos arcanjos. “Caminho”, esse clássico-moderno de
espiritualidade, dedica nove pontos seguidos à devoção aos anjos. Como São
Josemaría, poderíamos elencar vários outros santos cuja devoção aos anjos nos
anima a ser mais amigos desses celestes espíritos.
Os anjos
estão presentes na liturgia da Igreja, máxime quando a Santa Missa é celebrada.
Os textos litúrgicos fazem referências a esses celestes adoradores de Deus. O
“Glória a Deus nas alturas” foi uma oração entoada por eles (cfr Lc 2,13-14).
As orações eucarísticas, na sua primeira parte, os prefácios, terminam “com os
anjos e os arcanjos e com todos os coros celestiais” cantando o hino da glória
de Deus que é o “Santo, Santo, Santo”, hino dos serafins (cfr. Is 6). Na oração
eucarística I ou Cânon Romano, a oferenda é levada ao Deus todo-poderoso “per
manus sancti angeli”, ou seja, pelas mãos do santo anjo. São Beda
dizia que “da mesma maneira que vemos como os anjos rodeavam o corpo do Senhor
no sepulcro, devemos crer que estão fazendo a corte a Jesus na consagração”.
Enfim, toda a vida do novo Povo de Deus, que é a
Igreja do Deus vivo, recebe a proteção dos anjos. São Miguel Arcanjo é
padroeiro de toda a Igreja. Nós, membros da Igreja, podemos intensificar nos
próximos dias a nossa devoção a esses celestiais guardiões da nossa fé,
esperança e caridade, do nosso trabalho pela causa de Deus e do nosso caminho
rumo ao céu. Sejamos gratos aos nossos anjos da guarda e, sobretudo,
agradeçamos ao Senhor por esses angélicos companheiros.
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Referência
bibliográfica: A. VACANT, “Ange”, in F. VIGOUROUX (ed.), Dictionaire
biblique, I,1 A, Paris : Letouzei et Ané, 1895, 576-590. A. V. de
PRADA, O Fundador do Opus Dei (3 volumes), São Paulo: Quadrante,
2004. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 325-336. F. F. CARVAJAL, Antología de
textos para hacer oración y para la predicación, Madrid: Palabra, 1983,
85-95. J. DANIÉLOU, O mistério do Advento, RJ: Agir, 1958. P. B.
CELESTINO, Os anjos, São Paulo: Quadrante. O artigo de P. B.
CELESTINO, “Os anjos e o nosso anjo” se encontra em http://www.quadrante.com.br/ sessão
“artigos >> doutrina e teologia” (visitada no dia 26/09/2010). P.-M.
GALOPIN, “Ángel”, in P.-M. BOGAGERT e outros (responsáveis), Diccionario
Enciclopédico de la Biblica, BARCELONA: HERDER, 1993, 73-76.
Thank blog for you great
ResponderExcluirThank you that accompanies the blog. May God grant us to be humble instruments in His hands! May God bless you!
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